Lançado o desafio de escolher e escrever sobre a aldeia da minha vida, diria que não foi uma tarefa fácil, pois parte da minha vida tem sido passada à descoberta das nossas aldeias tradicionais, pelo que muitas já me fascinaram e poderiam ser as escolhidas. De uma lista que poderia incluir as aldeias de Drave, Moimenta, Anta, Monsanto, Monsaraz, Brufe, Macieira de Alcôba, Vilarinho Seco, Cachorro, Piodão, Talasnal e muitas outras, acabei por me decidir e escolher a Pena como a aldeia da minha vida.
Esta é uma das jóias de xisto da Serra de S. Macário. Para lá chegar, saia de S. Pedro do Sul em direcção a Castro Daire e pouco depois corte à direita para Sul e para o S. Macário. Na base deste monte de 1052 m de altitude, fica a depressão na qual está encravada esta aldeia. A visão que se tem antes de iniciar a descida é extraordinária e digna de ser contemplada. Recordo a primeira vez que aqui cheguei, nos inícios dos anos 90, de como esta paisagem me emocionou e de como esta aldeia me marcou para sempre.
Desça com precaução pela estrada aberta não há muitos anos. Antes de ela existir, esta aldeia estava completamente isolada. Desse isolamento nasceu a lenda do morto que matou o vivo. Esta história pode ser resumida da seguinte maneira: devido à inexistência de acessos rodoviários, os mortos da aldeia da Pena eram transportados num esquife até ao cemitério de Covas do Rio. O caminho entre estas aldeias é bastante difícil e o caixão teria de ser transportado em ombros. Numa dessas viagens, o infeliz que carregava a parte de trás do caixão terá escorregado e este caiu-lhe na cabeça, matando-o. Foi assim que o morto matou o vivo.
Mas deixemos a lenda e falemos da aldeia que a alimenta. Toda a aldeia merece um passeio a pé e uma visita demorada. Depois de percorrer os seus caminhos estreitos, admirar as suas construções de xisto e lousa, desça o caminho que o levará até aos campos de cultivo. Atravesse-os e siga na direcção dos enormes afloramentos rochosos para onde corre o ribeiro da Pena. Suba a pequena elevação e prepare-se para uma visão surpreendente. Para lá da pequena passagem surge-nos um Vale Encantado. Ao longe o maciço de Montemuro. A paisagem é arrebatadora. Foi neste vale encaixado por onde corre o ribeiro da Pena, que fiz muitos passeios a pé a caminho de Covas do Rio, por entre vegetação luxuriante e fragas impressionantes. Aventure-se algumas centenas de metros, com cuidado por causa da descida íngreme e algo escorregadia, até chegar a um pequeno pontão que atravessa o ribeiro. Pelo caminho vai passar por ruínas de velhos moinhos e sentir-se num mundo à parte, com espécies únicas na flora desta região e uma sensação de estar num lugar especial e quase mágico.
Regresse à aldeia pelo mesmo caminho e contemple uma nova perspectiva do seu casario. Dê um salto à loja de artesanato, repare nos espigueiros e na pequena capela. Tente saber do Sr. Agostinho, ancião da aldeia e em tempos o anfitrião das minhas primeiras visitas. Peça para ver o velho tear da sua esposa e prepare-se para escutar as suas histórias sobre este lugar.
Hoje em dia a aldeia da Pena está quase despovoada. A meia dúzia de habitantes que possui foi alguns anos atrás reforçada pela chegada de um jovem casal, com raízes na aldeia, o qual explora um pequeno restaurante que acolhe os visitantes desta aldeia. O sorriso e a presença das suas duas filhas, Mariana e Margarida, já nascidas e criadas neste lugar, são um sinal de esperança de que esta aldeia se poderá manter viva durante os próximos anos.
Esperemos que esta aldeia possa ser cada vez mais valorizada, permitindo a visita ou a permanência de quem o queira fazer, sem contudo perder as suas características tão especiais. Despovoadas e abandonadas por quem lá nasceu, viveu e morreu, muitas das nossas aldeias tradicionais caminham irremediavelmente para a ruína e para o esquecimento. São as pessoas e os seus laços à terra que pisam e arroteiam, às árvores e às fragas, às nascentes e aos rios, ao vizinho do lado e ao da frente, às memórias e lendas ou aos saberes e tradições, que fazem de um grupo de pessoas uma comunidade e de um conjunto de casas uma aldeia. É a perda desses laços que está a levar à profunda descaracterização ou à lenta agonia de muitas das nossas aldeias.
Temos consciência que hoje em dia os tempos são outros, pelo que os desafios são imensos se ainda queremos ir a tempo de salvar as nossas aldeias. O que está em causa pode ser mais que a mera preservação de algumas casas tradicionais ou certas tradições. O que nos arriscamos a perder é uma grande parte da nossa identidade colectiva e um património cultural e natural cuja grande riqueza está a caminhar para a completa descaracterização e até mesmo extinção. É urgente reinventar laços, criar incentivos e atractivos, despertar vontades e consciências, para que se encare o nosso mundo rural como parte integrante da nossa riqueza como povo, assumindo sem complexos que o seu legado nos pode tornar únicos num mundo que caminha rapidamente na direcção da estandardização. Saibamos criar as condições necessárias para fazermos das nossas aldeias uma fonte de desenvolvimento local e sustentado, de aproveitamento dos valores e das marcas que nos afirmem e distingam. Se nada se fizer, daqui a muito poucas décadas, teremos um país litoral de subúrbios e de gente desenraizada, e um interior com uma paisagem feita de eucaliptos, acácias e silvados a cobrir o que resta das aldeias das nossas vidas.
Convido-o a visitar http://www.aldeiashistoricasdeportugal.blogs.sapo.pt/ e a participar na votação para a escolha do melhor post sobre a aldeia das nossas vidas. Obrigado desde já pela sua participação!
Estou literalmente fascinada com sua descriçao dessa aldeia e com a aldeia em si!
Parabens pela excelente descriçao, que cativou minha imaginação e me deu imenso desejo de conhecer o lugar!
Excelente participaçao!
Abraços
Mirian Mondon
Tenho a felicidade de ter ido visitar esta aldeia há quatro anos. E gostei de vê-la representada no Concurso.
E gostei também do texto com que a apresentou.
Parabéns e boa sorte.
Parabéns pela descrição admirável. É sem dúvida um dos textos que eu mais gosto.
Não tenho o prazer de conhecer a Aldeia da Pena, mas sei, por experiência e sentimento que é uma aldeia notável do nosso País e que merecerá qualquer dia a minha atenção para o meu portugalnotavel.com
Um abraço
Castela
De
Teresa a 17 de Junho de 2009 às 23:54
Gostei muito do seu texto. Andei este ano a passear por algumas das aldeias de xisto e fiquei fascinada. Mas gostei especialmente da consciência que mostra dos desequilíbrios demográficos do nosso país.
Parabéns
Teresa
De Alcinda Martins a 2 de Julho de 2009 às 02:48
Parabéns pelo texto.
A aldeia da Pena é uma das maravilhas do distrito de Viseu. Por isso mesmo, é uma zona protegida, onde só é possível encontrar a construção em pedra e lousa. Toda a zona envolvente é uma regalo para a vista e a alma.
Obrigado pelo texto
Uma paradense ( Parada de Ester)
Alcinda
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